O vôo foi tranqüilo. Muito tranqüilo, na verdade. Meus olhos estavam inchados, mas eu já tinha parado de chorar. Não quis dizer adeus a meu pai. Fala sério! Eu sei que vou voltar. Um dia, pelo menos. E sempre que eu puder, vou mandar e-mails para David e Susan. Já estou morrendo de saudade deles. Acho que vai ser difícil eu fazer amizade nesse país, até porque eu não sei nada de inglês. Ah, qual é?! Esses lobisomens e essas outras coisas deveriam ter escolhido outro país, tipo, a Espanha. Sei falar espanhol fluentemente, mas inglês não é comigo. Ah, finalmente o avião estava pousando, e eu simplesmente não sei para onde ir. Meu pai bem que deveria ter feito um mapa para mim, dessa forma eu não me perderia tão fácil. Ai, meu Pai do céu, o que será de mim? Ah, não. O avião pousou. As pessoas começaram a levantar e a sair. E eu? Eu simplesmente fiquei sentada no meu lugar até chegar uma daquelas moças que trabalham dentro do avião – como é o nome mesmo? Cara, eu esqueci -, e me perguntar se eu iria sair do meu lugar ou não. Ainda bem que ela era brasileira.

- Queridinha, não vai sair daí? – ela me perguntou, dando um sorriso falso e cruzando as mãos.

- Ah, claro. – retribui o sorriso e endireitei-me na cadeira.

- E por que não saiu antes? – ela continuava sorrindo.

- Porque... Bem... Eu... – hesitei. – Eu estava dormindo. – menti.

- De olhos abertos? – a moça levantou uma sobrancelha.

- Eu tenho distúrbio do sono, aí acabo dormindo de olhos abertos. – de todas as mentiras que eu já inventei, essa foi a pior. O que distúrbio do sono tinha a ver com dormir de olhos abertos? Eu nem sabia se “distúrbio do sono” existia.

- Onde estão seus pais? – ignorou minha desculpa esfarrapada e estava falando sério.

Não respondi. Minha cabeça estava cheia de problema para eu inventar mais uma mentira. Então, a falseta pegou meu braço e começou a me puxar.

- Vamos. Vou falar com os guardas para... – ela não terminou a frase, porque uma jovem mulher a interrompeu.

- Ela está te incomodando, querida Frankie? – a mulher misteriosa que apareceu do nada, lançou-me um sorriso encantador.

Franzi o cenho e mais uma vez não respondi. A mulherzinha que trabalhava no avião veio logo se desculpando e dando risinhos histéricos.

- Desculpe-me, senhora. Eu não sabia que ela era sua filha. Pensei que ela estivesse sozinha, e eu, como sou uma pessoa responsável, ia levá-la até os guardas para procurar os pais da pequenina. – mentiu e apertou minha bochecha com força.

Mas que mulher mais falsa e mentirosa. Ela não ia procurar meus pais coisa nenhuma. Provavelmente iria me prender e me mandar no próximo vôo para o Brasil.

Massageei minha bochecha.

- Tenho certeza que sim. – a mulher misteriosa sorriu e depois olhou para mim. – Vamos, Frankie. Está tudo nos conformes, certo? – piscou um olho.

O quê? Do que ela estava falando? Ela estava louca? Eu não ia sair com uma estranha...

Tá, eu saí, mas só porque não queria me perder.

Quando saímos do avião e saímos do aeroporto, minha voz voltou.

- Quem é você? – perguntei.

- Lucy. – respondeu.

- Tá, mas o que você tem a ver comigo? – apontei para ela e para mim.

- Phílipe me pediu para que eu cuidasse de você.

- Meu pai? Mas eu nem te conheço. Ele não me deixaria nas mãos de uma estranha.

- Não sou estranha, querida. Conheço seu pai há anos.

- E como eu nunca te vi? – eu estava desconfiada e curiosa.

- Nunca me aproximei de você para não haver problemas.

- Como assim? – eu definitivamente estava desligada do mundo.

- Eu sou, quero dizer, eu era uma caçadora assim como você.

Meu queixo despencou. Fiquei de boca aberta por alguns segundos, e a realidade voltou.

- Como é que é? Você é uma caçadora? Não pode ser. Eu sou a única depois da minha mãe. Nunca ouvi falar de outras.

- Fui. – corrigiu-me. – Nunca me aproximei de você, por que eu sou chama vampiros e lobisomens. Onde quer que eu vá, sempre haverá perigo. – explicou.

- Ah, conta outra. – sorri sarcasticamente. – Como se eu não soubesse disso. – olhei-a. - Mas, espera, há outras caçadoras além de nós? – fiz um circulo no ar com meu dedo indicador.

- Bem, existe mais uma, mas ela é um mito. Não se sabe ao certo como ela é ou se existe, entretanto, creio eu, que ela estivesse no mesmo avião que a gente.

Espera... Como ela não existe, e estava no mesmo vôo que eu? Que doideira!

Houve silêncio por alguns segundos. Bom, outra caçadora? Que demais! Sorri nos meus pensamentos.

Para quebrar o gelo, perguntei uma bobagem:

- Onde é a minha casa. Quero dizer, a nossa casa, “mamãe”? – perguntei com um tom de sarcasmo na voz.

- É um pouco longe daqui, então é melhor irmos de táxi. – ela sorriu. – Ou podemos ir correndo e ninguém nos perceberá. – agitou as pernas.

Arregalei meus olhos assustada.

Louca. Definitivamente, louca. Meu pai tinha mandado uma louca cuidar de mim, e agora? Se há pessoas normais nesse mundo, então é bom essa Lucy não me fazer a proposta de voar por a cidade.

- Tudo bem, você é louca e eu não sei do que você está falando, então vamos de táxi, mas eu não sei falar nada de inglês.

- Pode deixar, querida. Eu moro aqui há algum tempo, então me adaptei ao inglês. E antes que você pergunte, só fui ao Brasil para, digamos, te trazer. – ignorou a parte em que eu a chamei de louca e falou naturalmente como se nada tivesse ocorrido.

Não falei nada. A mulher misteriosa... Ou melhor, Lucy, chamou um táxi e entramos nele. Ela falou algo para o motorista que eu não entendi. Ele deu a partida, e lá íamos nós, “passeando” pela cidade como pessoas normais passeariam. Bem, tenho que admitir. Lucy era gentil – apensar da proposta de corrermos pela cidade -, além de ser muito bonita. Nunca vi cabelo tão longo e preto quanto o dela e tinha olhos puxados, meio orientais, e cinzentos. Muito cinzentos. E não tirou o sorriso do rosto desde que eu a vi. Ok, até agora estava tudo dando certo, creio eu. Olhei pela janela da porta do carro e percebi que estava chovendo. O calor do Brasil começou a me fazer falta.

***

Bem, estou no meio do mato. Certo, não é no mato, mas é um pouco. Por que o papai me mandou para essa casa? Tinha que ser tão escondida assim da civilização? Pode haver algumas outras casas por perto, mas continuo achando que essa colina é o fim do mundo. Lucy disse que seria melhor que morássemos aqui, porque dessa forma não teremos contato com tantas pessoas e não as botaremos em perigo. Quero só ver quando eu for para o colégio. Será o caos, porque 1°: eu não sei falar nada de inglês e irão me achar a maior esquisitona e 2°: como eu vou pra lá? De bicicleta é que não é.

- Frankie, não quer entrar primeiro? – convidou-me e apontou para a casa.

Gargalhei.

Lucy levantou uma sobrancelha e fez um olhar, tipo “há?”. Bom, se ela queria que eu entrasse a essa casa primeiro, ela estava muito enganada. Ela que entrasse. A droga da casa parecia a mansão do Drácula. Vai que alguma coisa me atacasse justamente na entrada? Não, obrigada.

- Ah, não. – sorri. – Pode ficar a vontade e dê o primeiro passo. – apontei para a varanda.

- Tudo bem. – subiu as escadas da varanda e abriu a porta.

A porta rangeu, foi assustador. Parecia aqueles filmes de terror que quando você abre a porta duma casa abandonada, surge um homem do nada e te esfaqueia. Levantei minha bolsa de mão até o peito e segui Lucy.

A primeira vista, era uma casa qualquer – assombrada -, mas quando Lucy acendeu as luzes, meu queixo caiu. A casa era linda. Corrigindo: a mansão era linda. Não havia nada sujo ou desorganizado. Eu estava maravilhada. No centro da sala havia um lustre enorme que iluminava quase tudo. Ah, e o mais legal é que os móveis eram antiguidades. Hm, tenho que admitir, julguei o livro pela capa. Nada legal da minha parte.

- Isso aqui é tão legal. – falei baixinho, mas Lucy ouviu, porque ela concordou comigo.

- É. Esta mansão pertence a minha família há gerações. – explicou.

- Cara, então quer dizer que essa casa é sua? QUE MARAVILHA! – exclamei, levantando minha bolsa até o alto da minha cabeça.

- Nossa casa. – corrigiu-me.

Sorri. Definitivamente essa casa me trazia boas sensações. Como se nada pudesse me machucar. Não era como antes, quando eu achava que alguém ia me esfaquear ao abrir a porta. Mas eu senti que poderia haver um terremoto, e definitivamente, aquela mansão não cairia. Um tipo de fortaleza.

- Frankie? – Lucy chamou minha atenção.

- Sim?

- Quero que você seja minha discípula.

- Sua discípula? Mas pra quê? – olhei-a, franzindo a testa.

- Quero te ensinar tudo que sei. Decidi isso hoje quando a vi, porque eu vejo esperança em seus olhos e não maldade. – sorriu, e seus olhos ficaram mais apertados do que antes. – Pode ser?

- Tudo bem. – retribui o sorriso gentilmente. Acho que seria legal ter uma mestra, até porque ela se ofereceu para me ajudar e cuidar de mim. Será que ela pode ser uma mãe para mim algum dia? Não, definitivamente não. Meus pensamentos estão gargalhando com o fato deu ter tido essa idéia. Uma mãe, há-há, fala sério.

- Não quer conhecer seu quarto?

- Agora não, mas quero que você me explique uma coisa. – fiquei de frente para ela. Nossa, como ela era alta. Senti-me um banquinho junto de um poste. Não sabia que as pessoas orientais eram tão altas.

- O quê?

- Em que colégio irei estudar e como vou entender o que as pessoas dizem. – pus minha bolsa no chão e cruzei os braços.

- É simples. Você irá estudar num colégio para brasileiros, mas há algumas pessoas daqui e de outros países também, mas são poucas, então você não vai precisar falar com elas.

- Ah, tá. – concordei feito uma bocó. – Mas, e minhas coisas? Tipo, cadernos e livros? Eu preciso disso. – cocei minha cabeça.

- Frankie, não precisa se preocupar, suas coisas estão em seu quarto. Eu disse que iria cuidar de você. – sorriu. – Então? Vai conhecer seu quarto ou não? – apontou para a escada.

- Tudo bem. – retribui seu sorriso.

***

Dirigi-me a escada. Toquei o corrimão e lembrei do meu pai e da minha infância perdida, quando eu não tinha medo de nada. Sorri. Lucy disse que meu quarto era o primeiro à esquerda.

Quando subi o resto da escada, vi-me deparada para um imenso corredor cheio de portas. Sem brincadeira, havia armas expostas nas paredes, quadros de pessoas velhas e bonitas – muito bonitas -. Surpreendi-me com o cheiro intenso de incenso que vinha do corredor. Eu sei, eu sei, enjoativo demais, se você quer saber. Olhei a porta do meu quarto e caminhei até ficar de frente a ela. Pus a mão na maçaneta e girei-a, o que vi em seguida fez com que me queixo caísse. Dei o primeiro passo, o segundo, o terceiro, ah, fala sério, eu já estava dentro do quarto, ou melhor, da fortaleza. O quarto era maior do que a minha casa no Brasil, sem exagero, porque era mesmo. Havia uma poltrona do lado da janela ENORME de vidro, um sofá ao lado da minha cama – que por acaso não era de solteiro, e sim de casal -, uma penteadeira encostada na parede com um espelho gigantesco e um banheiro. Yeah! Um banheiro no quarto, e só meu, somente meu.

Andei até a cama e joguei-me nela de costas. Olhei para o lado e vi que havia mais uma porta: o closet. Não acredito que eu tinha um closet! Olhei para o teto e sorri tristemente. Talvez não fosse tão ruim morar aqui, apesar do frio, dos ingleses, da saudade... Unf! Deprimente demais.

- E então? O que achou do seu quarto? – Lucy estava encostada na porta, de braços cruzados e sorrindo.

Eu estava tão perdida em meus pensamentos que nem a vi chegar. Olhei-a.

- É legal, tirando o fato dessas paredes. – apontei para as paredes. – Elas são brancas demais. Mas tudo bem, posso me acostumar com isso. – sentei na cama e arrumei meu cabelo.

- Podemos pintá-las de outra cor se você quiser. – sugeriu.

- Ah, não. Está maravilhoso assim. – sorri pra ela.

Lucy se desencostou da porta, caminhou até onde eu estava e sentou-se ao meu lado.

- Está com fome? – perguntou seriamente.

- Não, não. Nenhum pouco. – calei-me e depois continuei. – Escuta, posso te fazer uma pergunta?

- Claro, querida.

- Você é oriental ou o quê? Porque esses seus olhos puxados e esse seu cabelão negro, liso e longo não negam. – apontei-a.

- Uhum. – concordou. – Meu pai era um espadachim japonês e minha mãe era brasileira, mas tinha sangue indígena. Então, sou meio a meio. Infelizmente, os dois morreram quando eu tinha dez anos.

Olhei-a com mais atenção do que antes.

- E, bem... Como... Como eles... Morreram? – quase que não perguntava. Não queria pressioná-la, sabe como é.

- Tentando proteger seu povo de todas as formas. Foi difícil, mas conseguiram. Havia muito deles, quero dizer, vampiros e lobisomens, e meus pais estavam lutando para salvar a aldeia em que morávamos. Eu não morava aqui, esta casa pertenceu ao meu bisavô, depois que meus pais morreram, mudei-me para cá. – ela fez pausa e prosseguiu. - Meu pai também era um caçador, mas não como minha mãe, sabe. Porque ele não tinha a linhagem sanguínea de caçadores que minha mãe, digamos, tinha recebido há gerações, e ela o treinou. Os dois juntos eram incríveis, Frankie – olhou para o nada e continuou. - Concordaram até em treinar mais cinco pessoas. Eram tão habilidosos com suas armas. Mas então aconteceu o que eu mais temia: aquelas criaturas imundas mataram meus pais e seus amigos. Um lobisomem sobrevivente tentou me matar, aí, quando ele tentou me morder, minha mãe atravessou o nosso meio e ele a mordeu, entretanto, no mesmo instante, minha mãe acertou seu coração com sua pistola de prata e, bem, os dois morreram juntos. Eu não pude fazer nada, a não ser chorar e chorar descontroladamente. – Lucy apoiou as mãos nos joelhos e levantou-se. Olhou para mim e sacou uma pistola que estava presa ao seu tornozelo. – A pistola da minha mãe. – ela a apontou para mim.

Subitamente recuei.

Lucy sorriu, dessa vez, mostrando todos os seus dentes.

- Calma. Não vou atirar. – guardou a pistola novamente em seu tornozelo.

- Cara, não acredito que você anda armada! – levantei da cama com um pulo.

- Precaução nunca é demais. – sorriu mais uma vez.

- Eu posso ter uma dessas? – meus olhos estavam brilhando.

- Por enquanto não, querida. – afagou minha cabeça carinhosamente.

- Poxa. – fiz beicinho.

- Mas posso te dar outra coisa, que tal? – pôs as mãos nos joelhos e se inclinou para me olhar melhor.

- Certo. – concordei e cruzei os braços.

- Só um minuto. – ela saiu pelos corredores cantarolando.

Enquanto eu esperava, fui até a janela e abri-a. Não havia sol, mas o frio era torturante. Fechei-a. Vaguei pelo quarto olhando as coisas e, em segundos, Lucy já estava de volta, segurava um objeto pequeno e pontudo, olhando-me. A lâmina estava coberta por uma bainha de couro preto.

- O que é isso? – apontei para o objeto que sua mão segurava, já sabendo a resposta. – Não me diga que é...

Lucy fez o favor de encerrar a frase pra mim.

- Isso mesmo. Um punhal. – ela tirou a bainha e entregou-me a arma branca. – Achei que você iria gostar. Pertenceu a meu bisavô. – em seguida, entregou-me a bainha. – É seu. – sorriu.

- O quê? Eu não posso aceitar! Isto deve ser muito valioso para você. – tentei devolver, mas Lucy se recusou a pegar.

- Não, não. Quero que fique com você. Irá precisar. Estou pressentindo isso. – pôs uma mão sob o queixo.

- Lucy, nem sei o que dizer... – corei e não sabia o que dizer mesmo.

- Não precisa dizer nada. – Lucy sorriu e virou-se para a saída.

- OBRIGADA! – gritei.

- Por nada. Virá outras coisas, Frankie. - respondeu do corredor.

Olhei para o punhal branco e sorri. O que será que ela quis dizer com isso? Não importa. Isto daqui já bastava. Pus a bainha na lâmina do punhal e guardei no bolso que havia por dentro do meu moletom. Deitei na cama, fechei meus olhos e, segundos depois, dormi profundamente.

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Unknown Says:

noossa muito massa mesmoo!!
rsrsrs, kkkkk, naquela hora que vc
levantou da cama perguntando se ela
andava armada,nossa eu achava que vc iria falar
alguma coisa do contra e tal, mas aiii vc
diz:"Eu posso ter uma dessas?" kkkkkkk
eu num me aguentei não,rsrsrs, ainda bem que vc
admitiu que teve uma infância...ééé... meia ruim
rsrsrs
Mas ohh mto massa mesmo.

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